Trabalhei num call center e fiquei à beira de um esgotamento.
Sempre odiei os chatos que tentam vender pacotes de tv/net/voz. Aborrecidos que só eles. Ligam em alturas inoportunas, com a lenga lenga do costume e normalmente em número privado.. Ás tantas fartava-me e chegava a desligar-lhes o telefone na cara ou mesmo a responder-lhes mal.
Tudo começou com uma simples pesquisa no OLX. Sou estudante universitária, estava de férias de verão e decidi que estava na altura de tirar o lombo do sofá, deixar de acordar ao meio dia e procurar um part-time. Algo não muito complicado e que desse para juntar uns trocos.
Enviei o meu currículo para alguns sítios, fui a algumas entrevistas e pouco tempo depois já tinha trabalho. Bem, isto foi mesmo fácil – pensei eu, ingénua, sem saber o que me esperava.
Na entrevista, pessoal jovem e simpático explicou-me como tudo funcionava, as condições de trabalho pareciam boas. Boas demais até. Mas eu, ingénua (ou burra), acreditei.
Decidi escolher um horário part-time (apesar de também me terem dado a possibilidade de full-time). 4horas por dia, das 10h às 14h, seria canja. Estar com o rabo sentado, com ar condicionado, a fazer chamadas durante umas horitas…pensava eu.
O caldo começa a entornar quando percebo que para receber algum dinheiro tenho que cumprir todo o período de formação (de 2 meses). Se desistir, por qualquer motivo, a meio dessa formação ,não vejo nem 1€. Assim como se faltar uma vez que fosse naquele período. Assim como se, por algum motivo, chegar mais que três vezes atrasada.
Escusado será dizer que 80% das pessoas que entraram comigo no período de formação desistiram 1 semana depois.
Para quem pensa que estive dois meses a aprender como funciona um call center, engana-se. Pois bem, estive 1 semana a aprender como tudo funcionava. Agora dizem-me vocês: então porque disseste que a formação está prevista como 2 meses? E eu respondo-vos que é apenas uma maneira de eles pagarem mal e porcamente com a justificação que estamos em período de formação.
Depois chega a prática. Estava na altura de fazer chamadas!
Neste call center fazíamos chamada atrás de chamada. As chamadas caíam automaticamente no sistema, uma atrás na outra. Quase sem pausas para respirar. Tínhamos apenas 10 minutos de pausa (cronometrados ao SEGUNDO no sistema) de 1h30 em 1h30. Posso dizer-vos que é duro. Uma das vezes atrasei-me um pouco na casa de banho e descontaram-me meia hora.
Em relação às chamadas propriamente ditas… Trata-se portanto de uma entidade de telecomunicações (que por motivos óbvios não posso dizer qual) que paga aos seus colaboradores para ligar a pessoas e enganar clientes. Repito: enganar!! Ouvi das coisas mais absurdas. Desde dizerem para aproveitar quando são pessoas de idade para colocar a internet no pacote porque são mais fáceis de vender a esse tipo de população, até ao ridículo de existirem técnicas de dizer coisas importantes (como a fidelização) de formas diferentes para que a pessoa não entenda. Tínhamos de tudo. Tínhamos pacotes mais baratos para pessoas que tinham sido da operadora concorrente X , e que por isso era beneficiada. Quando um cliente tinha um pacote desatualizado e mais caro, éramos também proibidos a vender-lhe um mais barato.
Quando as pessoas estavam saturadas de nos ouvir e nos mandavam para todo o lado e mais algum, tínhamos chefes a ouvir as nossas chamadas e enviar-nos mensagens para o pc a dizer para insistir, para pressionar, para não desistir!!
Tudo valia ali. O que interessava era apenas uma coisa: VENDER.
Éramos todos os dias pressionados que tinha que se vender, vender, vender. Cheguei ao ponto de ouvir um dos supervisores dizer aos meus colegas que se não vendessem até ao final da semana eram todos despedidos.
Nunca enganei nenhum cliente. Sempre que tentei vender um pacote procurei sempre que fosse benéfico para a pessoa. Claro está que não vendi muito. E por isso era pressionada constantemente. Diziam-me que assim não podia ser, que tinha que vender. Felizmente orgulho-me de me ter regido sempre pelos meus valores. Mais tarde, quando viram que não me adaptava , mudaram-me para outra campanha. Nessa campanha tinha apenas que actualizar os pacotes das pessoas que já eram clientes e foi por esse motivo que fiquei.
Prometiam mundos e fundos. Prémios de rentabilidade, que acabei por nunca receber. Pagamento extra por feriados e fins de semana, que também acabei por nunca receber.
Pouco de tempo depois, a campanha nova em que estava terminou. Voltei à campanha que estava anteriormente, aquela que obrigava a ligar para pessoas a chatear com propostas de pacotes. E voltou a pressão dos superiores. Voltou os ataques constantes. Vi colegas minhas chorar todos os dias nas pausas. Eu nunca chorei mas afligia-me ver que alguns dos meus colegas sofriam com aquilo. Choravam enquanto trincavam a sua sandes à pressa porque o tempo da pausa estava a findar. Vi outros que se mostravam angustiados mas que, como já tinham alguma idade, eram obrigados a permanecer porque precisavam do dinheiro.
Nunca me deixei afetar muito com o ambiente em que estava. Sabia que tinha uma cabeça forte e que não me deixaria ir abaixo, ou pensava que sabia. Um dia chamaram-nos à sala e foi a gota de água. Trataram as pessoas como lixo, como algo descartável. Acusaram-nos que a empresa estava a ter prejuízo por nossa causa, porque não tínhamos rentabilidade. Assim não pode ser.. assim tenho que vos mandar embora - diziam eles com aquele tom de voz de quem manda.
Nesse dia já não trabalhei mais. Fui para casa. Fiquei fragilizada, estava à beira de um ataque de nervos. Não acho que tenha sido da situação em si mas sim do acumular daqueles 2 meses. Cheguei à conclusão que o que era para ser apenas um trabalhito de verão estava a prejudicar-me a minha saúde mental.
No dia seguinte despedi-me e jurei nunca mais voltar. Fiquei 2 meses e 1 semana.
Hoje, quando recebo chamadas de pessoal de call center sou muito mais gentil. Admiro quem tem força para continuar naquele ambiente. Entendo porque estive na mesma situação. Entendo porque vivi aquele ambiente. Entendo porque conheci pessoas que precisam mesmo daquilo para viver. Entendo porque sei a angústia que é ser prejudicado no trabalho por se recusar a enganar pessoas.